Para a grande maioria de nós, que nascemos muitas décadas depois dos eventos originais, a modernidade na cultura brasileira tem data e local de nascimento: entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922 no Theatro Municipal de São Paulo. Capítulo aparentemente inaugural da renovação artística do país, a Semana de 22 teria espanado toda a densa poeira dos séculos anteriores e – tão ou mais importante do que isso – guindado o Brasil ao século XX, dando ao país a chance de se redimir historicamente, se renovar esteticamente e se reinventar como lugar em que o passado realmente deve ser varrido com todas as forças.

É como se um Brasil mais genuíno, vital e estimulante tivesse vindo à luz naquele evento em pleno centro de São Paulo, cidade que começava a se transformar na metrópole das décadas seguintes.

E aquilo que contrariasse esse corolário (seja por razões estéticas ou regionais) estaria quase que automaticamente fora do jogo. Mais do que isso: a reboque da Semana teriam surgido todos (ou quase todos) os movimentos de ponta do Brasil, da bossa nova ao tropicalismo, do jornalismo do Pasquim às ciências sociais, passando pelo Concretismo, pela música pop, pela culinária e por manifestações contemporâneas, como o vigoroso rap nacional.

Nessa perspectiva, tudo de ousado, inventivo e crítico que tenha surgido depois da Semana seria sempre uma glosa perpétua da obra e das ideias dos pioneiros Mário e Oswald de Andrade, e não criações originais. É contra essa leitura das coisas, consagrada nos manuais escolares e mesmo na produção crítica sofisticada, que se apresenta este provocativo e polêmico ensaio, não despido de contradições, mas sempre brilhante e elucidativo sobre os caminhos da vida cultural brasileira.

Luís Augusto Fischer mobiliza seu repertório crítico nesta obra destinada a produzir muita discussão. Não se trata aqui de ser contra a Semana de 22, mas de procurar entender, ao longo de todas as décadas que nos separam do evento original, quais foram as condições (sociais, artísticas, políticas, regionais, universitárias etc.) que consagraram aquelas noites no Theatro Municipal, pautando ainda hoje o debate no país.

Livro: A ideologia modernista: a Semana de 22 e sua consagração (Ed. Todavia) Autor: Luís Augusto Fischer (UFRGS)
Comentadora: Lucia Ricotta (UniRio)
Mediador: Sergio Miceli (USP)