Nos últimos dias de julho desse ano, o Seminário Diversos 22: "A outra Independência", propôs uma série reflexões sobre a independência brasileira para além da margens do Rio Ipiranga.

E para isso reuniu professores, pesquisadores e pensadores, que compartilharam seus conhecimentos e suas vivências com o público presente.

Confira na íntegra tudo o que foi debatido nas seis mesas que compuseram o ciclo, e apreciem sem moderação as emocionantes intervenções artísticas criadas exclusivamente para o evento.


Mesa 1. As idéias em movimento: o debate público na Independência

Os anos da Independência foram de crise e de efervescência política – em todo o território que ainda viria a formar o Brasil. As pessoas obrigavam-se a parar para pensar sobre os assuntos da vida pública ainda que não tivessem voz alguma na condução do governo, e punham-se a conversar umas com as outras, cheias de indignação e veemência. 

Havia aí uma novidade e tanto: no processo da Independência o debate político atraiu um público interessado em todas as camadas da sociedade. Para dar forma e consistência a esse mundo de discurso e expressão, a palavra – falada, rabiscada, impressa ou até mesmo declamada – fez uso de diferentes meios de escrita, de preferência barata e fácil de circular: panfletos, jornais, livros.

Com Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. “A guerra nas ruas: os papelinhos na época da Independência do Brasil (1821-1824)”.

Com Gustavo Henrique Tuna. “Matrizes dos impasses políticos no espectro da Independência: os acervos das livrarias ilustradas dos letrados luso-americanos”.

Com Isabel Lustosa. “Revérbero, Espelho, Malagueta e Correio: os jornais da Independência”.

 

Mesa 2. Independência e Morte: as guerras de Independência e a Revolução de 1817


A Independência brasileira não teve nada de pacífico. Mas desde sempre as guerras de Independência foram relegadas ao esquecimento. 

O objetivo era construir uma memória e uma versão da história: no Brasil, ao contrário do que aconteceu na América espanhola, a população é pacífica e propensa ao entendimento, e a Independência teria acontecido sem grandes convulsões sociais, derramamento de sangue ou combates. Na realidade, o processo de independência foi marcado por incerteza, instabilidade, violência, ausência de uma identidade brasileira pré-existente – e pela guerra. 

Os confrontos militares ocorreram em três teatros principais de operações: Bahia; Norte (Piauí, Ceará, Maranhão, Pará); Sul (Cisplatina). As guerras de Independência são fundamentais para se compreender o projeto vitorioso de construção do Estado comandado pelo Rio de Janeiro e a unificação do Brasil em torno da figura de Pedro I.

No dia 3 de março de 1817, a República foi implantada no Brasil – na cidade do Recife. A Revolução de 1817 abriu o ciclo revolucionário da Independência e convocou a população a aderir a um programa de emancipação libertário e radical: federalista, voltado para a garantia do principio do autogoverno provincial e ancorado na figura de um personagem de forte inspiração republicana – o “cidadão patriota”. 

Nos anos que se seguiram, os pernambucanos continuaram em pé de guerra. A província contestou o projeto de Império brasileiro encabeçado pela Corte instalada no Rio de Janeiro, com uma longa seqüência de eventos políticos de natureza mais ou menos local: o movimento de Goiana, em 1821; a junta de Gervásio Pires Ferreira, entre 1821 e 1822; a junta dos Matutos, entre 1822 e 1823.

Em 1824, como se tudo isso não bastasse, Pernambuco hasteou novamente sua bandeira cravejada com representações da República e do federalismo e conjurou nova revolução. A Confederação do Equador reafirmou a autonomia da província, reimplantou a República, e convidou os vizinhos do Norte a aderirem – Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Paraíba. Todos esses eventos martelaram um mesmo projeto de Independência: uma vez desfeita a unidade do Reino de Portugal, Brasil e Algarves, a soberania revertia às províncias onde, aliás, deveria residir. Cabia a elas negociar um pacto constitucional com a Coroa, no Rio de Janeiro, ou constituírem unidades separadamente sobre o sistema que melhor lhes conviesse.

Com Helio Franchini Neto. “As guerras de Independência: política e guerra na emancipação do Brasil (1821-1823)”. 

Com George Félix Cabral de Souza. “Tempos de desassossego: Pernambuco e a Revolução de 1817”.

 

Intervenção: Rapper RAPadura: Se panfleto fosse Rap.


Mesa 3. Arqueologia de uma esperança: ativismo popular e utopia
Os anos da Independência foram de crise e de forte movimentação política – fartos em complexidade e contradições. Ainda não existia nada parecido com a unidade brasileira, mas, pela primeira vez, abriu-se um tempo novo de participação política e seus efeitos seriam duradouros sobre a vida e o comportamento político de uma larga faixa da população: homens pobres, escravizados, descendentes de africanos livres e libertos, que vivia em uma sociedade hierárquica, escravista e profundamente desigual.

Com João José Reis. “O ‘Partido negro’ na Independência da Bahia”.

Com Marcus Carvalho. “Ativismo popular e Independência: o caso do Recife (1817-1824)”.

Com Danilo Marques. “A Cidade do Paraíso Terrestre: os rebeldes do Rodeador (1817-1820)”.

Mesa 4. O protagonismo feminino na Independência do Brasil

Seja no Brasil colonial ou na Europa, os usos e costumes do final do século XVIII e da primeira metade do século XIX não recomendavam às mulheres se arriscarem para fora da esfera doméstica; se fosse o caso de tentar, elas podiam até ganhar a vida com o próprio trabalho, sustentar maridos ou, até manter salões ilustrados. Mas de jeito nenhum deveriam reivindicar participação política. Isso era proibido.


Havia mulheres, contudo, decididas a governar as próprias vidas, que ameaçavam as convenções morais e sociais estabelecidas e dispostas a desafiar o mundo proibido da participação política. Também levaram a sério um projeto de Independência para o Brasil. Viveram esse projeto de maneiras diferentes, partiram de patamares sociais desiguais, e atuaram de forma diversa: algumas dessas mulheres empunharam armas, outras se engajaram no ativismo político. Mas todas elas recusaram o lugar subalterno que lhes era reservado. Apesar disso, até hoje sabemos pouco – ou quase nada – sobre a história dessas mulheres e o modo como se posicionaram de diferentes maneiras no centro da cena pública durante a Independência do Brasil. Seu protagonismo continua ignorado.

Com Antônia Pellegrino. “Bárbara de Alencar e as raízes brasileiras da violência política de gênero”.

Com Virgínia Siqueira Starling. “A coroa que lhe cabe: Leopoldina e a aventura de fazer um Brasil”.

Com Cidinha da Silva. “Maria Felipa de Oliveira, a mulher que veio do mar”.

Intervenção: Zélia Duncan. “Frei Caneca: O Auto do Frade”.


Mesa 5. Imaginando a Independência do Brasil: possibilidades de leitura e formas de apropriação autoritária

As nações são imaginadas. E se distinguem pelo estilo em que são imaginadas. A cultura brasileira reconheceu na Independência um momento decisivo da formação da nossa comunidade imaginária – com significados distintos para os diferentes grupos sociais e também suscitando formas específicas de apropriação autoritária.

Com Wander Melo Miranda. “A Independência que se conta”.

Com Bruno Viveiros. “Decantando a Independência: canção popular e história do Brasil”.

Com Lilia Schwarcz. “O seqüestro da Independência: a construção visual do 7 de setembro”.


Mesa 6. Viagem ao país do presente

Os anos da Independência dizem muito sobre um momento da nossa história em que as pessoas combateram e defenderam formas distintas de pensar, propuseram alternativas, formularam demandas. De muitas maneiras, elas transformaram o espaço público e se debruçaram com genuíno interesse sobre os caminhos que poderiam ser traçados para quem quisesse conceber projetos de país. Todos nós podemos interrogar o passado para compreender o brasileiro que somos – ou refletir sobre o seu contrário. A história não está escrita nas estrelas e recordar os acontecimentos desses anos talvez ajude a lembrar de um país que tem um passado e precisa indubitavelmente ser melhor do que o Brasil que temos hoje.

Resenha: “Os indígenas, desde sempre, foram tratados como brasileiros de segunda categoria. Em nenhum momento da história a participação desses povos foi relevante e sua opinião jamais foi levada em consideração. Não foi diferente no momento da proclamação da Independência nacional e essa invisibilização perdura até os dias atuais. A pergunta que provoca essa reflexão tem como pretensão ser uma revisão histórica para falar da resistência, resiliência e desobediência civil que sempre foi a marca registrada de nossa gente ancestral” (Daniel Munduruku).

Com Sérgio Abranches. “O caminho tortuoso da Democracia”. 

Com Ynaê Lopes dos Santos. “A nação embranquecida e seu passado escravista. Outras leituras do Brasil”.

Com Daniel Munduruku. “Independência OU/E liberdade para os povos indígenas”.

 


Intervenção: A outra independência, por Slam das Minas SP. Apresentação poética. Slam das Minas São Paulo.  

 


O ciclo teve a curadoria de Heloísa Starling e  faz parte do Diversos 22 – Projetos, Memórias, Conexões é uma ação em rede do Sesc São Paulo, em celebração ao Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 e ao Bicentenário da Independência do Brasil em 1822, com atividades artísticas e socioeducativas, programações virtuais e presenciais em unidades na capital, interior e litoral do estado de São Paulo, com o objetivo de marcar um arco temporal que evoca celebrações e reflexões de naturezas diferentes, mas integradas e em diálogo, acerca dos projetos, memórias e conexões relativos à efeméride, no sentido de discuti-los, aprofundá-los e ressignificá-los, em face dos desafios apresentados no tempo presente. A programação teve início em setembro de 2021, com a realização do Seminário “Diversos 22: Levantes Modernistas”, e encerra-se em dezembro de 2022.